A vida que merecemos

quarta-feira, 29 de julho de 2015

Nem tudo que reluz é ouro

  

   Em meio ao processo de estabelecimento de metas pessoais de um jovem - explico, presto uma espécie de personal coaching em que auxilio o indivíduo a abandonar antigos hábitos, estabelecer novos, alcançar objetivos específicos e, de certa forma, entender um pouco mais sobre si mesmo - ouvi o seguinte: "O que quero mesmo é ser feliz". Até aí nenhuma novidade, quem não quer?
    
   Começamos o processo, árduo, de estabelecer o que seria a felicidade para ele. Houve uma certa dificuldade nesse ponto. Ele parecia não saber exatamente o que o deixaria feliz. Até que sacou o celular, abriu o aplicativo do Facebook e começou a mostrar os perfis de alguns amigos e disse: "É isso que eu quero!". Quando olhei, vi pessoas sorridentes, viajando, declarando amor a outras pessoas, saindo, alcançando seus sonhos... Enfim, deparei-me com três ou quatro pessoas que tinham a vida perfeita.

    Quais as chances? Qual a possibilidade de existir tal nível de perfeição? 

   O ser humano é engraçado. Nossa felicidade depende de como nos localizamos em relação ao outro.

   Em tempos de conectividade total via redes sociais isso é complicado. Quem gosta de espalhar aos quatro ventos seus infortúnios? Quem gosta de dizer aos outros que sua vida não é maravilhosa? Imagine a situação: Ao atualizar o status do Facebook o indivíduo coloca "se sentindo triste pois fracassei em todos os meus sonhos". Deprimente, não?

   Agora o oposto: "se sentindo feliz pois um sonho foi realizado", seguido de um álbum com 200 fotos de uma viagem à Europa. Fantástico, não? Invejável, desejável, mágico... Quem não gostaria de estar no lugar dessa pessoa?

  Pense um pouco. Uma viagem de quinze dias à Europa, o ano possui 365 dias. Quinze dias de sonho e os outros que não foram compartilhados? Como foram?

   Quando olhamos a vida de outras pessoas, esquecemos que elas compartilham o que há de melhor e escondem o que há de pior. Mas nosso cérebro não pensa assim. Para todos os efeitos, encaramos o que observamos como regra e não como exceção. Portanto, ao compararmos com a nossa vida de altos e baixos, não há como não concluir que a vida dos outros é melhor que a nossa.

   A fórmula da felicidade (de um tipo pelo menos) é simples: FELICIDADE = REALIDADE - EXPECTATIVA. Caso a realidade supere a expectativa somos felizes. Simples.

   Olhando por este ângulo é preciso tomar muito cuidado com as redes sociais. Não devemos deixar que a vida dos outros se transforme em parâmetro para a nossa. Lembre-se, a propaganda é a alma do negócio e as pessoas aplicam isso em suas vidas digitais. Nem tudo que reluz é ouro.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

O Eterno Retorno

    Por volta de meus quinze anos entrei em contato com um conceito filosófico poderoso, do tipo que pode transformar nossa forma de viver. Quando o li pela primeira vez fiquei deprimido, em seguida com raiva e, por fim, energizado por uma nova perspectiva. De certa forma foi, e continua sendo, o guia de minhas decisões.
    Nietzsche foi um pensador difícil, incômodo, com diversas ideias que nos tiram da zona de conforto. Em minha pretensão juvenil interpretei suas ideias as adequando às necessidades de meu mundo. Com o tempo aprendi novas interpretações, mas a forma que entendi o conceito de "eterno retorno" na adolescência pauta minha vida até hoje.
    Imagine que tenhas que viver a mesma vida diversas vezes. Imagine que após a morte nasças novamente, mas tua vida será rigorosamente idêntica à anterior. Os mesmos erros, os mesmos acertos. Todas as decisões sendo repetidas. Alegrias, tristezas, vitórias e derrotas. Eternamente a mesma vida infinitas vezes. Eis que surge a pergunta tal qual marreta a moldar o aço: A vida que você leva hoje faz com que queiras vivê-la novamente?
    Essa pergunta me fez querer viver de uma forma que a vida seja plena; que sua repetição não fosse um fardo e sim um anseio.
     Vivemos pouco, mas agimos como se tivéssemos todo tempo do mundo. Deixamos para depois, não dizemos aquilo que gostaríamos de dizer e desperdiçamos nossas vidas com coisas pequenas que não significarão nada.
    Caso tenhas tido a paciência de ler até aqui, é neste momento que deves fazer a pergunta: Viveria esta mesma vida novamente?
    Não? Então mude! Comece agora a viver de uma forma que possas desejar que tudo se repita!
    
"E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: "Esta vida, assim como tu vives agora e como a viveste, terás de vivê-la ainda uma vez e ainda inúmeras vezes: e não haverá nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez, e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?
Friedrich Nietzsche, A Gaia Ciência.